Amazônia, lugar de amor: minha experiência em uma comunidade ribeirinha na floresta

Tem cobra? Jacaré? Pega celular? Tem energia elétrica? Se algo acontecer com a gente lá, quem vai nos socorrer e para onde vão nos levar? 

Estas foram algumas das dezenas de perguntas que fiz à Ana, fundadora da Braziliando, e responsável por organizar essa incrível experiência de turismo de base comunitária na comunidade de Nova Esperança, no Amazonas. Esta primeira conversa por Skype ocorreu no início do ano, quando comecei a planejar minha tão desejada viagem pela Amazônia. A vontade de passar alguns dias em uma comunidade indígena ribeirinha andava lado a lado com o receio de tudo o que poderia acontecer lá. 

Mais assustados do que eu estava a minha família e meus amigos. “Ai, Nathália, pra quê você vai fazer isso? Você não dá valor a sua vida?”, minha mãe perguntou dramaticamente. “Você não tem medo de ser engolida por uma sucuri?”, questionou um amigo que levou muito a sério o filme “Anaconda” (mas não nego que meu maior medo era ver uma sucuri de perto, o que felizmente não aconteceu!). “3 amigos meus viajaram para Amazônia ano passado e pegaram malária”, disse aleatoriamente a tia de uma outra amiga.

Por fim, o espírito de aventura e a curiosidade venceram o medo, e logo comprei minha passagem para Manaus. Fechei com a Braziliando o roteiro de 4 noites na Floresta Amazônica e ao longos dos meses, o receio foi dando lugar àquela ansiedade gostosa de conhecer um destino novo, um lugar que sempre quis conhecer. Em pouco tempo eu estaria embarcando para a Amazônia para viver uma experiência única, e, que eu ainda não sabia, a melhor da minha vida!

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Barco de linha chegando em Nova Esperança

Onde fica a comunidade?

Nova Esperança é o nome da comunidade que recebeu a mim e a Amanda, minha companheira nesta aventura, e eu sabia muito pouco sobre o lugar antes da viagem. Tinha visto algumas fotos, sabia que a comunidade era relativamente perto de Manaus, que os moradores eram de etnia indígena Baré e que apesar de terem uma língua própria, o Nheengatu, todos ali falavam português (a Braziliando compartilha com os clientes um material muito interessante sobre a questão indígena no Brasil e a comunidade que nos recebe!). Eu estou tão acostumada a pesquisar tudo sobre os lugares que quero conhecer (a louca do TripAdvisor!), que o fato de saber tão pouco sobre a comunidade deixou toda a experiência ainda mais mágica. 

Para chegar na comunidade, há duas opções: contratar uma lancha rápida, em uma viagem que leva aproximadamente 2h30min ou barco de linha (ou recreio, como eles chamam lá), que dura aproximadamente 6 horas o trajeto diurno e 11h o noturno. A lancha custava cerca de R$ 1.000,00 por trecho e o barco R$ 35,00, então a decisão entre os dois foi bem fácil. Além disso, achei que seria muito legal ter essa experiência de viajar em um barco tão típico desta região. E não me decepcionei: passar essas horas deitada na rede, dentro do barco, vendo as paisagens do Rio Negro pela primeira vez foi uma das partes mais legais de toda a viagem! 

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Dentro do barco, cada um tem sua rede

Ainda em Manaus, conhecemos um dos nossos anfitriões, o Walmir, que junto à esposa Juliana, iriam nos hospedar em Nova Esperança. Ele nos buscou no mercado da cidade e nos guiou até o barco que nos levaria até a comunidade. Chegando lá, nossas redes já estavam amarradas em meio às dezenas de outras redes que já estavam ali, e logo nos acomodamos. Durante grande parte da viagem fomos conversando com o Walmir, que desde o primeiro momento foi super atencioso com a gente. Percebemos logo no primeiro dia que, com ele, a conversa nunca termina. Era assunto que não acabava mais! A gente amou ouvir seus casos e histórias, e, inclusive, voltamos da Amazônia com 100% de certeza da existência do Curupira, rs (peça ao Walmir pra contar a história dele com o Curupira!).

Minha experiência em Nova Esperança

Logo na primeira noite, fomos convidados a jantar na casa do Seu José, o cacique da comunidade. No roteiro, estava programado que iríamos ser apresentadas a ele quando chegássemos, mas não sabíamos que iríamos ser convidadas para jantar na casa dele junto a uma parte da família. Inclusive, uma coisa que achamos muito importante neste roteiro da Braziliando é que tudo acontece de forma natural e você realmente se sente como parte da comunidade por uns dias, e não apenas “mais um turista”. 

Nós adoramos conhecer o Seu José e alguns dos filhos e netos que estavam lá, mas a estrela da casa – e talvez da comunidade – foi a Dona Sônia. Difícil encontrar palavras para descrever uma mulher tão forte e doce quanto ela. De riso contagiante e com uma sabedoria ímpar, Dona Sônia nos contou várias histórias sobre sua infância, a relação com os filhos, o trabalho na roça e a vida em comunidade. O jantar terminou, todo mundo foi embora e a Amanda e eu continuamos lá conversando com ela por mais de uma hora. Durante todos os nossos dias lá, sempre que tínhamos oportunidade íamos atrás de Dona Sônia para prosear.

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Jantar na casa do cacique

Aliás, o motivo de toda a experiência lá na comunidade ter sido tão marcante foram as histórias, trocas, aprendizados e conversas com os moradores de Nova Esperança.  Muito se fala da exuberância natural da floresta – que realmente é surreal – mas mais incrível ainda são as pessoas que vivem ali. A sensação é de que estamos em um outro Brasil: um que, a propósito, tem muito a nos ensinar sobre coletividade, respeito à natureza, ética e solidariedade.

Com relação às atividades programadas no roteiro, a que me deixou mais surpreendida foi a canoagem, que eu achava que seria um passeio legal, mas nada muito impactante (e talvez até um pouco tediosa rs). Guiadas pelo José, filho do cacique e da Dona Sônia, saímos pelo Cuieiras, rio que banha a comunidade, por volta das 16h, quando uma tempestade ameaçava vir a qualquer momento. Logo no início, pegamos uma chuvinha que parou rapidamente, pouco antes de entrarmos nos igapós.

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José

Os igapós são as partes inundadas da floresta, que fica alagada no período da cheia do rio, e navegar ali num barquinho de madeira, ouvindo apenas o barulho do remo na água e os sons da floresta é surreal! Daqueles momentos que a gente não esquece nunca mais na vida. Mais surreal ainda é o fato de o José conhecer todo o caminho e não se perder. É incrível a conexão que ele tem com a floresta! Inclusive, um dos hobbies preferidos dele, que foi fotógrafo do exército por um ano, é ir sozinho para o meio dos igapós e ficar horas por lá fotografando pássaros. 

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Canoagem pelos igapós

Na volta, a tempestade da qual achávamos que tínhamos nos livrado nos pegou e, confesso, foi bem assustador. Só não entramos em pânico porque o José não demonstrou estar abalado com isso. Quando a chuva aumentou, demos sorte de estar passando perto de uma casa de farinha desativada, que ficava na margem do rio, um pouco antes de chegar em Nova Esperança. Ele calmamente remou até lá e ali ficamos uns 10 minutos até a chuva passar. De volta à canoa, ainda tivemos a chance de ver um pôr do sol maravilhoso, enquanto um barco recreio se aproximava da comunidade lá no horizonte. Mais uma vez: surreal!

Além da canoagem, também gostamos muito da trilha, que fizemos com o Cristiano. Não tivemos a chance de ver nenhum animal (além dos mosquitos gigantes que nos perseguiu durante todo o trajeto), mas o Cristiano nos explicou muitas coisas interessantes sobre a mata. A parte mais legal foi quando ele nos mostrou a formiga capiba, que segundo ele, serve como repelente natural.

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Repelente natural no meio da floresta

Também gostamos muito de acompanhar a Dona Sônia durante a produção da farinha (mais uma oportunidade de ouvir suas histórias!) e adoramos fazer a oficina de artesanato com a Juliana. Foi bem rápida, mas conseguimos aprender o suficiente para fazer uma pulseirinha e um colar, que ficarão de lembrança da experiência.

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Dona Sônia preparando a farinha de mandioca

Nossa família em Nova Esperança

Como mencionei no início do texto, durante as 4 noites, ficamos hospedadas na casa do Walmir e da Juliana. Eles preparam um quarto com um banheiro, tudo muito simples e rústico, mas super limpo e aconchegante. O banheiro, como esperado, não tinha água quente, mas esse não é um problema considerando o clima quente da floresta amazônica.

As refeições, café da manhã, almoço e jantar, eram servidas na cozinha, anexa à casa. Eu achei que iria estranhar um pouco o tempero do norte, mas me enganei. Tudo era preparado com muito amor pela Juliana e tudo que ela fazia era incrivelmente bom, com destaque para o feijão e o beiju com tucumã (eu que nem era muito fã de tapioca, me pego com saudade até hoje da que ela fazia pra gente). Em um dos dias, o Walmir também colocou a mão na massa e preparou um peixe assado na folha de bananeira que foi uma das melhores coisas que comi durante toda a viagem!

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Café da manhã da Juliana: o beiju com tucumã não pode faltar!

O Walmir e a Juliana têm 4 filhos – Kalison de 17 anos, a Samara de 12, Maria de 3 e a Julinha de 8 meses. Não convivemos muito com os mais velhos e a fofíssima Julinha dormia a maior parte do tempo, mas, com a Maria, foi amor à primeira vista. Impossível não se apaixonar pela independência, esperteza e inteligência dessa criança de apenas 3 anos! O Walmir disse que ela demora se acostumar com os turistas que se hospedam lá, mas que comigo e com a Amanda foi diferente. E acho que realmente foi, porque ela ficou grudada com a gente desde a nossa primeira manhã lá. 

Maria, por sua vez, estava sempre acompanhada da prima Catarina (Catinha, para os mais íntimos) e as duas nos acompanhavam para todos os lados lá na comunidade. Na nossa segunda noite lá, elas entraram no nosso quarto com várias bonecas, caderno e caneta e ficaram ali brincando até os pais as chamarem para dormir. Muito fofas! No último dia lá, a parte mais difícil foi despedir dessas duas, nossas pessoinhas preferidas na comunidade.

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Maria e Catinha: dois amores <3

A volta para casa

Os dias em Nova Esperança passaram muito rápido e logo já era hora de dizer adeus. A Amanda e eu estávamos animadas para o próximo destino da nossa viagem, Alter do Chão, no Pará, mas ao mesmo tempo queríamos ficar mais alguns (muitos) dias ali no Rio Cuieiras.

É muito difícil descrever a conexão que tive com esse lugar e essas pessoas. Eu já esperava gostar muito da Amazônia, mas essa experiência foi muito maior do que eu poderia imaginar. Impossível não ser clichê aqui, mas esses poucos dias em Nova Esperança, foram verdadeiramente transformadores e até hoje, um mês depois da viagem, me pego tentando processar tudo que vivi lá. 

Agora, mais do que a saudade, fica a vontade de voltar o quanto antes pra lá. Prometemos para a Maria e para a Catinha que voltaríamos. E não se quebra uma promessa feita a crianças. Por isso: até já Nova Esperança, em breve estamos de volta <3


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Ficou com vontade de viver essa experiência também? Mande uma mensagem pra gente aqui! Nossa sugestão é combinar este roteiro de base comunitária no Amazonas com alguns dias em Alter do Chão, no Pará (veja nosso guia de Alter aqui).

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